Literatura com psicologia

Por que Machado de Assis é considerado o mestre da Literatura Brasileira?

Machado de Assis é um dos maiores nomes da literatura brasileira, com uma vasta produção que inclui nove romances, várias peças de teatro, contos, coletâneas e mais de 600 colunas em jornais. Sua genialidade o torna o mestre dos contos e, embora admirado por figuras internacionais como Philip Roth e Elizabeth Hardwick, ele ainda é pouco lido em inglês. Curiosamente, autores como Paulo Coelho são mais conhecidos lá fora. No entanto, um recente post viral no TikTok, no qual uma americana se emocionou ao ler “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e comparou a genialidade do autor de “Dom Casmurro” a Shakespeare, pode mudar esse cenário.

A obra de Machado é marcada por um paradoxo intrigante: ela é inquieta e sempre atual, contrastando com a vida pacata do autor, que nunca deixou sua cidade natal. Seus temas universais como arrependimento, decepção e a obsessão pelo tempo (e sua passagem destrutiva) ressoam profundamente com os leitores, oferecendo uma exploração complexa da mente humana.

Machado inovou com sua narrativa não linear, conferindo dinamismo e profundidade aos personagens e enredos. Suas obras misturam comédia de costumes com uma constante melancolia, utilizando uma ironia sofisticada que não apenas encanta, mas também leva à reflexão social.

A ironia é uma ferramenta central em suas obras, usada de forma sutil para expor as contradições humanas e sociais. Machado era um mestre em contrastar aparência e realidade, usando o sarcasmo para questionar valores considerados absolutos.

Para Machado suas obras eram míopes pois se concentravam nas coisas pequenas e ocultas da vida, coisas pequenas para grandes vistas.

No fundo, Machado é um mestre contador de histórias sádicas, como em Causa Oculta e Pai contra mãe, mesmo em outras obras, ele soube usar muito bem o contraste entre aparência e realidade, usando o sacarmo para expor as contradições humanas de forma velada e dissimulada. Mais do que isso, ao usar a inversão de valores, ele consegue questionar e ironizar valores ditos como verdades absolutas pela sociedade.

Suas obras antecedem à psicologia e mesmo assim pode-se concluir que Machado foi um psicólogo natural ao abordar não só as questões existenciais e humanas, mas a própria saúde mental como no O alienista. Ou como consegue até hoje mobilizar o debate se houve ou não traição de Capitu em Dom Casmurro, ou em seu enfoque da dualidade humana como em Helena.

Para alguns, no entanto, foi em uma obra pouco conhecida que Machado brilhou com a psicologia na literatura, no conto O espelho. Neste conto o personagem principal é altamente identificado em sua persona (máscara social que colocamos para sermos aceitos em sociedade). Até hoje quando questionadas sobre quem são, as pessoas respondem seus papéis sociais (personas): elas são suas profissões. Essa alta identificação a um papel social gera uma dissociação entre identidade e papel social que costuma culminar nas famosas crises de identidade. Machado teve essa sacada antes mesmo de existir Freud com a psicanálise ou com Jung que introduziu esses termos no mundo.

E justo esta contradição entre persona e eu interior que compõem as obras machadianas e continua a gerar identificação e conexão de forma atemporal. Se seus personagens vivessem o mundo atual seriam mandados para a terapia.

Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora e outra que olha de fora para dentro. (O espelho)

Sem dúvidas este mestre soube como ninguém jogar com as hipocrisias sociais e como diria Michael, Wood (2022):

Todo aquele que o lê pensa que ele é um mestre, mas quem o lê, ou ouviu falar dele? Não tanto quanto ele merece.